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Aprender como rapazes

O segredo para que os rapazes tenham bons resultados escolares é simples

10
Jul
2017

O segredo para que os rapazes tenham bons resultados escolares é simples: deixar que as suas forças naturais os conduzam.

Numa manhã do passado mês de Junho, o professor Wayne Forman e vários descuidados alunos do oitavo ano estavam à volta de um terminal na sala de informática da sua escola. Estavam a ver um vídeo com dois dos estudantes a escalarem uma encosta íngreme. A câmara tremia e algum brincalhão tinha estragado a banda sonora ao pôr-se a assobiar. Mas, fora isso, o esforço era uma recriação convincente da cena de abertura de Uma Bandeira no Céu, um entusiasmante romance juvenil sobre um rapaz de 16 anos determinado a escalar um dos mais mortíferos picos da Suíça (o Matterhorn, renomeado como «A Cidadela» no livro).

Este vídeo era um trabalho da escola. Forman, um professor de Inglês da Escola CB Stirling, em Hamilton, preferiu dar aos seus alunos projectos de grupo relacionados com actividades, em vez das tradicionais fichas de leitura. Josh Wood, um aluno alto e magro, fez um impressionante modelo de gesso do cume suíço. O seu desgrenhado colega Sebastian Helmer fez o papel principal no vídeo e ajudou a editá-lo.

Forman explica a sua abordagem: «É preciso ser criativo e tem de ter significado.»

Os educadores procuram envolver os alunos, mas Forman, um bem-humorado professor de 33 anos, tenta sempre ser especialmente inovador como líder de uma turma só de rapazes. Desde há seis anos que a CB Stirling, uma escola básica integrada, oferece a opção de turmas não-mistas a partir do quarto ano. (As turmas só de raparigas apenas começam no quinto ano.)

Para as turmas só de rapazes, Forman procura uma abordagem pedagógica que ofereça aos alunos a liberdade de explorarem os assuntos e comportarem-se naturalmente. As suas aulas de ritmo rápido envolvem muitas vezes bastante movimento e os trabalhos exploram a obsessão pela tecnologia dos seus jovens. Há um espírito de equipa e os rapazes parecem gostar disso.

Wood, de 14 anos, parece ser um adolescente gaguejante, mas é eloquente quando diz «não tens de ter medo ao levantar-te e responder a perguntas». Helmer, com auscultadores que parecem nascer da T-shirt, é mais expansivo: «Há muito mais liberdade, mais actividade física. Não acho que as pessoas consigam passar o dia inteiro sentadas.»

Na Escola CB Stirling, que serve uma comunidade étnica e economicamente variada nos subúrbios ao sul de Hamilton, um movimento florescente entre alguns educadores dá os seus primeiros passos. O objectivo é enfrentar tendências académicas que afastam os rapazes, como a tendência de redução do número de rapazes licenciados, as comparativamente piores competências linguísticas e as elevadas taxas de abandono.

Nos Estados Unidos, o movimento para a educação não-mista conseguiu vários conhecidos porta-vozes, como Leonard Sax, que argumenta que o sistema escolar está a falhar em ambos os sexos e que os pais devem poder ter a opção de enviar os seus filhos para aulas acessíveis para o mesmo sexo. Citando recentes estatísticas canadianas, Sax diz: «O facto de mais mulheres terminarem cursos superiores é uma boa notícia. A questão é: “Porque é que os homens não estão a acompanhar o ritmo?”» Sax, um médico e psicólogo da Pensilvânia, autor do livro Rapazes à Deriva, dirige um grupo nacional de pressão que promove a educação não-mista e tem falado com educadores canadianos em Alberta, Nova Escócia, Ontário e Colúmbia Britânica. De acordo com Sax, o número de escolas americanas a oferecer a opção de turmas só de rapazes e só de raparigas passou de uma mão-cheia em 2000 para mais 560 hoje em dia.

Os críticos deste movimento, contudo, estão preocupados que educadores bem-intencionados, ao esforçarem-se para diminuir o fosso entre os piores e os melhores, acabem inadvertidamente por tornar os rapazes num estereótipo.

«Quais rapazes?», pergunta Wayne Martino, um especialista em educação de rapazes da Universidade do Ontário Ocidental. Os rapazes vêm em muitas formas, duros, fracos, obcecados com desporto, empreendedores, heterossexuais, homossexuais, confusos. Factores como classe social, educação dos pais, dinâmicas de grupo e homofobia podem influenciar o sucesso académico tanto quanto o género e as conexões cerebrais, diz ele. «Não acho que possamos reduzir o comportamento dos rapazes quer à sociedade, quer à biologia.»

Mas o interesse em aulas de um género só tem ganho terreno nalgumas partes do Sul do Ontário, à medida que as notícias do sucesso da CB Stirling se espalham entre educadores reformistas. O director da escola, Doug Trimble, considera-se neste grupo. Trimble, um homem corpulento com um aperto de mão esmagador, um discurso simples e um jeito alegre, tem ensinado e treinado há mais de 40 anos. Olhando para trás, calcula que tivesse tido uma dificuldade de aprendizagem na infância e que ficou na escola apenas por causa dos desportos. Além disso, sempre quis ser professor. «Acredito realmente que ensinar é um dom que as pessoas têm», diz. «É por isso que tenho 62 anos e continuo a trabalhar.»

Em 2003, depois de ver uma reportagem no 60 Minutes sobre os desafios que os rapazes enfrentam, Trimble mergulhou na investigação. «A literatura não fazia nenhum sentido para mim», conta. Da sua experiência, Trimble sabia que os rapazes e as raparigas eram igualmente capazes academicamente, mas que tendiam a aprender de maneiras diferentes. Convenceu o conselho escolar com uma solução híbrida: oferecer turmas mistas e não--mistas na CB Stirling no ano de 2003-2004. Não foi propriamente recebido de braços abertos. «Politicamente falando, educação não-mista não é um assunto popular», aponta. «É preciso coragem para fazer mudanças na educação.»

Trimble decidiu vender a ideia com dramatismo. Ele convocou uma assembleia para os estudantes do sexto ano no ginásio da escola e dividiu-os entre rapazes e raparigas. Os pais e os responsáveis do conselho escolar observavam, encostados às paredes. Usando as perspectivas inovadoras sobre as formas de aprendizagem específicas de cada género, Trimble fez aos alunos a primeira de uma dúzia de perguntas: «Vocês preferem estudar numa sala de aulas sossegada ou no ambiente mais barulhento de uma biblioteca?» Ao que se lembra, cerca de 80% das raparigas preferiram a sala sossegada, enquanto uma igual percentagem dos rapazes escolheu a biblioteca barulhenta.

Cada uma das perguntas subsequentes extraiu divisões igualmente notáveis. Embora tivesse conscientemente preparado a sessão para destacar as diferenças de atitude entre rapazes e raparigas, ele próprio ficou espantado. «Não houve preparação. Apenas as perguntas. E dizia para mim próprio: “Não posso acreditar no que vejo aqui. Estou totalmente validado.”»

Depois de explicar o conceito e os seus méritos a todos os presentes, Trimble questionou os pais dos alunos do sétimo ano. E obteve mais surpresas: 68% deles queriam inscrever os filhos no novo programa de género único. Nos três anos seguintes, esse número subiu para 81%, 90% e 99%, respectivamente. «O nosso problema, actualmente, é que temos miúdos em lista de espera para as aulas não-mistas.»

Trimble e os professores dos seus programas de educação de género único estão a pôr em prática a investigação sobre os estilos de aprendizagem dos rapazes: há muito que aprender criando oportunidades de falar em público para os alunos discutirem ou experimentarem as suas ideias antes de se sentarem em frente aos livros. Há também discussões francas sobre comportamento socialmente apropriado e uma ênfase em textos que os rapazes gostam – incluindo os dos cromos de trocar, revistas escolhidas e histórias de aventura.

Forman, que muitas vezes começa as suas aulas distribuindo o The Hamilton Spectator e pondo os alunos a falar de seja o que for que vier no jornal nesse dia, sabe que os seus estudantes tecnicamente avançados preferem escrever no computador do que usar papel e lápis. «Acho que é este o ponto em que estamos nesta sociedade», conta. «Eles ensinam-me sobre iPhones e aplicações. É isso que torna uma atmosfera única: aprendemos uns com os outros.»

David Thorne, que deu aulas a turmas não-mistas na CB Stirling, criou um campeonato de hóquei em patins para os seus estudantes masculinos. Os miúdos jogavam e depois compunham artigos sobre os jogos para um jornal de turma. Aqueles que não entregassem os artigos não podiam participar no próximo jogo. Cada trabalho, diz Thorne com um sorriso, era o seu «bilhete para jogar».

Os especialistas em educação masculina concordam que o elemento de actividade física é importantíssimo. Muitas escolas ainda castigam os rapazes por ser demasiado inquietos, brincarem às lutas ou atirarem bolas de neve – muitas vezes cortando-lhes o recreio ou pressionando os pais a testarem os filhos para hiperactividade ou síndroma de défice de atenção. Professores mais esclarecidos tentam encontrar formas de utilizar essa energia espontânea. «Sabemos que os rapazes precisam de se movimentar enquanto aprendem», diz Tina Jagdeo, que ensina na Upper Canada College, uma escola privada de Toronto para rapazes.

Jagdeo conta-nos como no ano passado uma colega dela lhe pediu sugestões sobre como lidar com uma mão-cheia de irrequietos alunos do quinto ano. Jagdeo colocou a questão a um terapeuta ocupacional que sugeriu que os alunos se sentassem em bolas de borracha em vez de cadeiras. Ao balançarem-se ligeiramente e agitarem-se, conseguem concentrar-se mais eficazmente. Jagdeo disse aos alunos apenas que as bolas ajudavam a melhorar a postura, equilíbrio e coordenação. «Precisamos de ajudá-los a usar o movimento para ajudá-los a aprender», diz ela. E não surpreendentemente «a maioria quis experimentá-lo».

Mas será que estas estratégias funcionam? Trimble partilha com agrado os resultados da CB Stirling com os visitantes: inquéritos de 2004 a 2007 mostram que os alunos que estão em turmas de um género gostam mais da escola, têm melhores notas e faltam menos às aulas do que os do programa misto. E durante estes anos mais de 80% de pais e alunos inscreveram-se em turmas de um género só.

Não é difícil encontrar mais estudos que apoiam a educação não-mista. Por exemplo, num estudo-piloto da Universidade de Stetson, em DeLand, Florida, os investigadores descobriram que 85% dos alunos das turmas exclusivamente masculinas conseguiram uma nota de «proficiente» (três ou mais em cinco) no Teste de Validação de Compreensão da Florida, em comparação com os apenas 55% dos estudantes em turmas mistas.

Seria no entanto um erro pensar que resultados positivos numa só escola pudessem resolver o debate sobre programas educacionais de um género só ou dissipar presunções estereotipadas sobre género. Depois de uma revisão extensiva da literatura disponível e exame de 19 escolas primárias e secundárias em quatro estados australianos, Wayne Martino, da Universidade do Ontário Ocidental, não encontrou «nenhuma prova conclusiva» que a educação só com rapazes leve a melhores resultados académicos. Ao invés, observou que nalgumas escolas preparatórias algumas turmas de um género só parecem ter simplificado os seus currículos, deixando alguns estudantes a sentirem-se mal preparados para o ensino secundário. «Esta estratégia não pode ser vista em si própria como o único factor a contribuir para uma melhor qualidade da educação», diz Martino. «O que fez a diferença foi um bom ensino.»

Sebastian Helmer, da CB Stirling, diz o mesmo. Descrevendo outra aula de um só género em que esteve, diz que o professor não conseguia aguentar o grupo. «Nós éramos uma má mistura de rapazes», admite ele com um ligeiro sorriso. «Não foi um ano de sucesso». Mas o professor Wayne Forman, acrescenta, tem um sentido melhor para lidar com turmas só de rapazes.

Mesmo assim, Forman, que trata a turma como se fosse uma equipa desportiva, achou-o difícil durante os primeiros meses. «Com os rapazes, a questão é ser consistente», resume. «Responsabilizamo-los, e eles respeitam isso.»

À medida que uma das aulas de Forman termina, alguns alunos recordam trabalhos memoráveis, incluindo usar software de publicação para criar um jornal e uma banda sonora para o filme Os Marginais – baseado no romance de S. E. Hinton, que Forman leu na aula. Pela sua parte, Forman recorda as suas sessões «bons e maus», como lhes chama: à volta de café e bolos, os estudantes falam à vez sobre o que correu bem e sobre o que lhes está a causar problemas, na escola ou noutras áreas das suas vidas. Estas conversas, diz ele, «obrigam-nos a partilhar». E a reflectir – mas neste contexto não há virtualmente nenhum risco social associado à expressão dos seus sentimentos.

Outro estudante, um rapaz delgado chamado Andrew, partilha a sua opinião sobre o ensino de um género só. Ele gosta da ênfase adicional nos desportos, bem como do ritmo, mas reconhece que ainda há alguma intimidação, que diz tentar ignorar. No entanto, regressaria a aulas só para rapazes, se pudesse, e as suas razões têm mais a ver com amizade do que com educação. «Há mais possibilidades de socializar com rapazes», diz ele. «E é mais fácil na aula.»

Este dividendo social, diz o director Trimble, faz valer a pena o investimento. Retirem a «distracção» do sexo oposto – a que Trimble chama «o elefante no meio da sala» – e alguma da crueldade adolescente rapidamente esmorece. É menos provável que os rapazes atormentem alguém que considerem fraco se não houver raparigas para impressionar. E a energia que normalmente seria usada nestas demonstrações de poder de puberdade é canalizada para as actividades escolares.

Por outras palavras, a turma de um género só pode tornar-se um sítio extraordinariamente favorável para aprender. Além disso, diz Trimble, «aqui, toda a gente tem um amigo».

Selecções Reader's Digest - By John Lorinc

29/05/2012

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